Monday, March 31, 2008

Primavera


(Tinha-me esquecido que tinhas chegado. Desculpa)

Quando te vi senti um puro tremor de primavera
e a voluptuosa brancura de um perfume
No meu sangue vogavam levemente
anémonas estrelas barcarolas
O silêncio que te envolvia era um grande disco branco
e o teu rosto solar tinha a bondade de um barco
e a pureza do trigo e de suaves açucenas
Quando descobri o teu seio de luminosa lua
e vi o teu ventre largamente branco
senti que nunca tinha beijado a claridade da terra
nem acariciara jamais uma guitarra redonda
Quando toquei a trémula andorinha do teu sexo
a adolescência do mundo foi um relâmpago no meu corpo
E quando me deitei a teu lado foi como se todo o universo
se tornasse numa voluptuosa arca de veludo
Tão lentamente pura e suavemente sumptuosa
foi a tua entrega que eu renasci inteiro como um anjo de sol

António Ramos Rosa

Miguel

E quando partilhamos com um estranho a intensidade de uma Vida?
Que nos foge em segundos depois de segundos, que foram dias ou semanas, tão eufóricas?
O acaso é mesmo o melhor conselheiro do destino. Li, um dia. Ou semelhante. E por aí fiquei.
A noite estava fria. Eu estava quente.
A gare estava deserta. Eu estava preenchido. Tinha estado e estava ainda.
Amigos de ocasião ou para toda a Vida? Vagabundos na noite. Que acabou de madrugada.
Numa Lisboa que amanheceu e anoiteceu de formas tão diferentes. Em tão curto espaço de tempo.
A música acompanhava-nos.
Ele, para sempre Miguel, ia exigindo novas experiências.
“Que tens mais aí?”
“E mais um cigarro”.
“Abrimos outra cerveja?”.
O Mundo numa conversa.
“Por onde achas que é o caminho?”.
“Em frente. O Caminho é sempre em frente”.
O desabafo que se impunha. A um amigo. Certo, na hora certa. O melhor para o momento.
Num espaço de ressaca.
Mental a minha (num turbilhão).
De Vida. A dele.
Cansados. No chão.
Um chão que era dele. Fui convidado a entrar. A partilhar a casa. Sem cerimónias.
“É um espaço público. Senta-te”.
Sentei-me. Já lado a lado. Como irmãos.
De necessidade também.
“Obrigado. Acho que tenho de ir. É às sete e nove. Devo chegar às dez a casa. E tenho de mandar a tal mensagem”.
Riu-se.
“Dá-me mais um cigarro. Só um”.
Ficou com o maço.
“Vale sempre a pena acreditar. Acredita e deseja. Vai ser possível”.
Com uma certeza incrível.
“Ah! E prepara essa mensagem. Quando tiveres tecto". Ele ia tendo. Vários.
Obrigado. Pensei.
Não tive coragem de voltar a abrir a boca.

Obrigado Miguel. Pela Lição. De Amizade.

Saturday, March 29, 2008

Into my (our) arms


Calle Principe, 25

Perdemos repentinamente
a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos a conservar
mas levamos anos a esquecer alguém
que nos olhou apenas

José Tolentino Mendonça

PS: e tocou.

Thursday, March 13, 2008

Vestígios


noutros tempos

quando acreditávamos na existência da lua

foi-nos possível escrever poemas e

envenenávamo-nos boca a boca com o vidro moído

pelas salivas proibidas - noutros tempos

os dias corriam com a água e limpavamos líquenes das imundas máscaras

hoje

nenhuma palavra pode ser escrita

nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras

ou se expande pelo corpo estendido

no quarto do zinabre e do álcool - pernoita-se

onde se pode - num vocabulário reduzido e

obcessivo - até que o relâmpago fulmine a língua

e nada mais se consiga ouvir

apesar de tudo

continuamos e repetir os gestos e a beber

a serenidade da seiva - vamos pela febre

dos cedros acima - até que tocamos o místico

arbusto estelar

e

o mistério da luz fustiga-nos os olhos

numa euforia torrencial

Al-Berto / Horto de Incêndio

Wednesday, March 12, 2008

.

Fechar as janelas e deixar o Sol e o Ar esconderem-se.

Penúmbra total.

Amanhã (ou outro dia) respirar!