Ecrãs de afectos

Francisquinha e Manel tratam-se por você. São irmãos. De tenra idade.
Zé e Didi tratam-se por você. São casados.
Zé e Didi tratam Francisquinha e Manel por você. São pais deles.
Francisquinha e Manel tratam Zé e Didi por você. São parvos. Porque os pais a isso obrigam.
Vem esta embrulhada toda a propósito dos afectos.
Sempre, como hoje, o afecto faz parte do crescimento individual.
Como sabe bem um beijo, um abraço, um carinho. Uma palavra de conforto.
Como sabe bem dizer "amo-te", "gosto de ti", "tenho saudades tuas".
Como sabe bem ouvir estas palavras.
Aquecem-nos a alma. Fazem-nos viver.
Como é triste ver, hoje, os pais (e outros) a desleixaram por completo o seu papel. Abandonam a missão. Transformam-se em máquinas frias, desprovidas de qualquer calor.
Os filhos (e outros), esses, pagam por tabela. Aprendem bem o exemplo. Descuram o amor ao próximo. Deixam de amar. Deixam de oferecer felicidade.
Triste, mais, é saciar alguém com presentes físicos. De alto, ou nem tanto, valor monetário.
Mais importante que ter um amigo, é ter uma merda qualquer, melhor ou mais cara que a de outrém.
Triste, muito triste, é ver as viagens para casa, de carro, transformadas em passeios sem chama, sem amor. Sem uma única palavra ou atenção.
Ás crianças, normalmente, é-lhes oferecida a possibilidade de assistirem a um "replay" de um qualquer DVD no banco traseiro.
Em silêncio. Faz-se a viagem. Como se fosse uma viagem para lado nenhum. Importante é o silêncio. Importante é que não chateiem. Importante é que adormeçam. Assim, é mais fácil.
Assim, o amor necessário é oferecido por um ecrã.
Os pais (e outros), os filhos (e outros), morrem nestas sensações.
Como são tristes, estes ecrãs de afecto.
E vem aí o Natal...