Tuesday, July 10, 2007

Um livro no colo


Sentada.
Permanecia sentada e à lareira, apesar de ser Verão e não estar cansada.
O livro, às vezes no colo.
Outras a rolhar as centelhas do fogo e a aconchegar-lhe a mente.
Desejava ler e sonhar. Imaginar o que lia e desejar o que sentia.
(Sentir o que desejava tornava-se mais fácil).
Ansiava recuperar tempos e imagens. Sonhos e delírios. E mantinha-se assim.
Vaga. Distante. Mas tranquila. Tudo era inconsciente.
Lembrava-se das manhãs e das tardes. E recordava-se dos pedidos satisfeitos. Das celebrações efusivas. Dos abraços eternos e das noites sem dormir. Das cumplicidades alheias e das mentes perdidas e sem cor.
A preto-e-branco via linhas de fumo e sentia a água. Que era quente e arrepiava.
Chamava sabores e cheiros. Promessas simples e sinceras. Gritos de dor (e de prazer). Palavras que nada significavam ou que tudo diziam.
É para sempre e não é mentira.
O pêndulo já tinha sido alcançado.
A partir de agora era sempre a descer e a comparar. A escalada ao topo já tinha sido conseguida.
Permanecia sentada e à lareira. Era Inverno (da tristeza) e estava cansada.

O livro. Sem páginas. Nem nome.
Tinha 94 anos e recordava os capítulos da vida.

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