Sunday, June 17, 2007

Sentir medo

Sentir medo. Enquanto caminhava em ruas que lhe sabiam a novidade, apesar de até já lá ter estado, sentia que aquilo não podia estar a acontecer. A noite estava muito clara. Demasiado clara. Achava.
Pelo menos sentia-a assim. Transparente.
(Ainda que a tentar mostrar o contrário.
Porque é que a noite nos mostra sempre o seu lado mais verdadeiro?).
Caminhava e respirava o ar diferente que estava em promoção.
(Respirar em cidades diferentes: Que transfusão de sangue divina!).
Caminhava porque não flutuava.
(E a ideia tinha saído daquela harmonia flutuante que o arrepiava).
Ouvia sons que lhe pareciam difusos, ainda que translúcidos. Gostava sempre de sentir o aroma da história de cada cidade. Os olhares. Distantes. Ele preferia focalizá-los na história.
Nas fachadas históricas. Nas pedras gastas das peregrinações turísticas. Gastas de fé.
(Onde está a fé?).
Imaginava cada passo. Cada sorriso. Cada paragem. Cada beijo.
Estava tranquilo. Sentia-se traído. Vivia com essa dualidade empunhando sorrisos e não armas de destruição de construções partilhadas. O vento soprava forte. Estava frio. Ele estava.
Arrepiado. Com o frio. Cortante como um punhal certeiro no sopro do coração.
Era uma viagem no tempo. Afinal, era uma viagem no tempo.
As cores eram diferentes. Até a música era diferente.
Porque é que era diferente? Ele já sabia.
Sabia que a ideia que tinha saído daquela harmonia flutuante que o arrepiava não estava ali. Não estava a ser cumprida. Não podia estar. Imaginou-se um trapezista. A sobrevoar a cidade. No limite. Desiquilibrado. Cairia? Ou lutaria pela Vida? Decidiu lutar. Era um resistente. E acreditava.
Um amigo perguntou-lhe, um dia (é sempre num dia que se fazem perguntas), se nunca tinha sonhado que voava. Ele respondera que não. Não precisava de asas para voar. Nem de sonhos.
Andava a voar há tanto tempo! Achava que desde sempre. E estava decidido. Ia perguntar. Ia deixar frases a meio para que fossem completas. Ia trazer outras histórias para que outras fossem contadas. Não precisava de saber porque já sabia. Mas achava que merecia ouvir. Achava que merecia ouvir. Achava que merecia essa lealdade. Essa sinceridade. Mas nem se preocupava com isso. Essa opção era livre. À saída deixou-lhe a última dica. Voltou a não ser bem sucedido. Lutou. Colou. O abraço (oferecido sem pudor e em segredo) transformou-se em elo final. Ia cair. Se não desse a mão. São assim os trapezistas. E a cidade. A cidade é uma cidade de trapezistas. De circos. De vidas boas. De recordações. De sonhos. De lembranças únicas. De segredos. Outra vez de vidas boas. De jardins e parques. Flores e romances. Cafés. Cigarros. Quartos e suores. Amores e traições. Abraços e Adeus. A partilhar. Ou não. Tanto faz. Interessa a verdade. E o momento.
(Porque é que a noite nos mostra sempre o seu lado mais verdadeiro?)
Porque essa é a certeza. Ser verdadeira. E foi. É de noite.
E foi.
A ouvir Xutos. Num domingo. Depois de uma sexta.
Sei onde tu estás. Era o álbum.
E sei.
E quero saber.
E quero ficar.

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