Monday, October 30, 2006

A Altivez da Morte.


Acordei cedo.
Quase nunca acontece mas, hoje, bem disposto e atento, circulei pela cidade nas primeiras do dia.

É admirável perceber, nas pessoas, os movimentos, os desejos, as expressões que marcam o início de mais uma semana.
Perto do Cemitério de Agramonte, fixei-me por instantes. Ainda mais atento.
A morte e todas as suas subtilezas tornaram-me mais vigilante.
De que se fala, quando de Morte se fala?
Fiquei hesitante. Descobri mais movimentos. Uma romaria. Uma frenética caminhada.
As flores.
Os olhares perdidos.
O desejo de matar saudades.
Matar saudades dos mortos. Duas vezes a morte numa única expressão.
“Matar” e “mortos”.
Por momentos, perdi-me no interior do cemitério, em jeito de viagem funesta.
De sentido (e sentimento) apurado percebi, então, o porquê da romaria.
Porquê as flores, os olhares tristes mas simultaneamente felizes.
Percebi que a limpeza de uma campa, se reveste de capital importância.
Algumas, um banho terno a uma criança.
Outras, um quente banho de amor.
Em outras ainda, um banho indesejado e obrigatório a alguém mais velho.
Percebi que a Morte, mesmo morta, é respeitada.
Da mesma forma que, no culto, os mortos o são.
Mas serão assim na Vida?

2 Comments:

Blogger molin said...

Curioso tema em data tão marcante.
Também me dei a alguma reflexão sobre o dia dos fiéis.

Partindo da tua ideia, da morte ser respeitada (não é à toa que a profanação de sepulturas é crime, ou não fosse essa a última morada de todos nós), descobri nos meus pensamentos que todos os mortos são santos.

É que para além de ser dia dos fiéis, o dia também é conhecido como dia dos mortos ou, para a Igreja, dia de todos os Santos.

Sem querer entrar em campos religiosos, porque todos nós caminhamos, de uma forma ou de outra, para uma fase das nossas vidas mais religiosa, acredito que todos as pessoas depois de mortas ficam santas. Todos os que ficam sentem saudades, pelo menos são lembrados com saudade, porque faz parte da natureza humana - salvo raríssimas excepções - só dar valor ao que se tem depois de tomada a consciência da perda. Venha esse momento quando vier.

Quanto à tua reflexão, é assim que se vai crescendo todos os dias. Um atrás do outro...

November 01, 2006 8:53 AM  
Anonymous Anonymous said...

Voltei. Até mais cedo que o que contava...confesso que foi por ti que liguei o meu PC desta vez.
Estava deitado no meu sofa, numa sala gigante, a fingir que via TV.
Umas lágrimas teimosas corriam-me pelo rosto, uma saudade "daquele abraço" corroia-me as entranhas, e embora vestido com a camisola de heroi perdedor, muita coisa doía por dentro...deste-me esperança do amanhã, não me anulaste a dor do hoje...
Pensava..."Mas serão assim na Vida?" pois também li este teu texto...
E desejei que no mito da morte...que bem me podia acontecer amanhã, "aquela pessoa" que destruiu o meu Sol, o meu sorriso, a minha paz e os meus sonhos mais minusculos e coloridos...não enchesse nenhuma capela com olhares fingidos de tristeza, de amor ou de saudade! E que nunca "aquelas mãos" se movessem para a compra duma flor sequer, ou "aqueles pés" para me acompanhar no meu último passeio...

Precisamos de amor, carinho, brilho, sonhos e cor, muita cor neste nível e vida...depois pouco nos dizem as manifestações de afecto...
Rezo contigo e digo..."Quando eu morrer não compliquem o mistério com pios de coruja...para que ninguém simule lágrimas de mentira..."
Acho que nunca vou poder escolher...mas gostava de não a ter por perto!
Pode ser que ela adivinhe este desejo!
Boa vida para ti

February 02, 2007 5:31 PM  

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