Monday, May 21, 2007

Mudar de nome

Acordou, ainda cedo, madrugada até. Um dia normal. Sem chuva. Sem sol. Sem nada que o marcasse (ao dia). Se calhar a ele também.
Tinha decidido mudar a vida. A dele.
Tinha decidido mudar de nome. Como se o nome mudasse a vida.
(Não imaginava as voltas da vida). E dele.
Nesse dia. Num fatídico e sombrio 15 de Maio de um ano qualquer (perguntava sempre o ano em que estava).
Decidir mudar de nome. Decidir mudar de nome. A ideia apertava-o diariamente.
“Vou mudar de nome” (tinha pensado nessa noite). A noite antes de ter dormido, se calhar mal, e ter acordado cedo, de madrugada até.
Rapidamente se abeirou (gosto de estar aculturado em algumas expressões) desse bucólico espaço que, de uma forma ostensiva e quase grosseira, exibia numa velha placa:

“Aqui vende-se quase tudo. E até se muda de nome” (quase podia ter escrito que se vendia tudo, menos a rapariga, mas seria ir longe de mais).

Decidiu avançar. Parou. Decidiu avançar de novo. Parou novamente.
Observou. Já o tinha feito antes.
Havia milhares de pessoas à espera.
“Então? Que se passa?” (rapidamente perguntou e, no mesmo ápice, a resposta):
“Decidiram todos mudar de nome! Até eu. Acho que apanhado por esta febre!”
“Cá nada!”, disse outro ainda.
“Vamos mudar de identidade. Afinal, procurar a nossa”, prosseguiu.
De bigode sábio. E açoriano.
Ficou baralhado, mas ainda mais certo do desejo.
Iria mudar de nome.
Esperou.
Uns iam saindo. Outras iam entrando.
(É este o movimento do Mundo: entradas e saídas. De tudo).
Mudou de nome.
E saiu.
(Espera. Não quero ir já para aí! Deixa-me voltar atrás)
Afinal ainda esperava. No mesmo sítio.
Alguns iam saindo (dizia, há pouco).
Esses, que já tinham mudado de nome (ou comprado alguma coisa que não a rapariga), pareciam sonâmbulos.
Desciam a rua. Que era plana. Olhavam para trás. E descobriam não saber os seus nomes.
(Mantinha-se a observar).
Não se identificavam com nada.
E muito menos sabiam quem eram.
Mas tinham mudado de nome.
Naturalmente, de identidade.
Cansado de esperar. Encontrou-se.
Vou acordar cedo. Amanhã.
Mas não de madrugada.

O fabuloso mundo da Partilha

Incógnita imensa no início, apesar de todo o conhecimento (agora já sei).
Movimentos lentos enchem os copos. Conversas dispersas, mas sempre sentidas.
Capacidade e vontade de partilhar.
Com cuidado e cautela (para o líquido não transbordar dos copos).
Da mesma forma que se escolhiam cuidadosamente as palavras e temas. Todas. Inicialmente.
Considerações vagas. Discursos suicidas. Novas experiências.
Vidas boas! Desejos!
Parte-se para outra (conversa). Pede-se mais uma rodada.
Enchem-se novos copos. Engole-se.
Agora pela garrafa. Os copos já transbordavam. (As mentes?)
As gargantas exigiam mais rapidez. Mais volúpia.
A sede de conversar (de beber, de partilhar e tudo o mais) intensifica sensações.
Perde-se o controlo do que se diz. Do que se bebe. Do que se considera sobre tudo.
Risos sensíveis nas memórias. Vagueiam os sonhos.
Sonhos? Muitos. Sempre. Sempre Sonhos (também dá?).
A procura da riqueza fácil.
"Não estamos ricos. Ainda não foi desta".
Volta-se a partilhar.
A língua está trôpega.
Enrolamo-nos agora. As línguas (e nós).
Acabaram as conversas.
Os olhos desfocavam as imagens (nunca os sentidos).
Vamos embora.
Até amanhã.
“Gostei de vos ver”.
Eu também!
Obrigado.

Sunday, May 13, 2007

Comboio das Emoções

Não era o Eléctrico chamado Desejo nem o autocarro para Sonhos.
É o Comboio das Emoções.
O dia clareava. A noite tinha sido intensa (as noites são sempre intensas, mesmo quando se dorme.
Sim e sei: "Não me deixes dormir. Peço-te sempre isso. Quero aproveitar tudo").
A música ainda andava no ar. As carruagens, meio vazias, meio cheias, transbordavam de prazer. Transportavam o prazer.
O sono queria vencer.
Mas a paisagem saía vitoriosa.
(Como se conhece melhor o Mundo dentro do Comboio das Emoções!).
O Sol aquecia. O corpo. Quente e protegido.
Fechavam os olhos. Abriam-se os corpos.
As partilhas, quando ainda era de noite (o dia afinal, agora, já clareava), tinham sido renovadas.
("Falámos de tudo").
De dia, voltaram a ser. São sempre. Com saudades. Sempre com saudades.
A velocidade prolongava o momento. Devagar. Lenta.
"Hoje só temos espaço, está bem?".
Não se tinham perdido. Nunca se perderam.
Nunca se encontraram. Conhecem-se desde sempre.
Sempre. Com saudade. Novamente a soletrar.
Apertavam-se com força (às vezes em demasia, mas até a dor é saborosa).
Agarrava-se para não cair. Para ele não fugir. Para ficarem sempre.
E ficaram.
Com marca.
(Ficam sempre).

Wednesday, May 09, 2007

Janela

Passava horas a olhar para a água.
O desejo era sempre o mesmo: "Quero que acordes e me venhas abraçar. Pensei nisto um dia. E agora conto-te".
(Já fui apanhar alguns jarros. Daqueles selvagens, sabes?)
Depois disso tinha ido regar os amores. Mas, ele, isso sabia. Não precisava de ter ouvido.
Interessava-lhe muito o riso das crianças. Sempre ao longe.
Imaginava conversas em pequenos botes que avistava. Mais perto que os risos das crianças. Os botes.
Essas perdas momentâneas de consciência ainda a faziam sonhar mais.
Afinal, a vida era um mistério.
Numa espiral harmoniosa, o vento musicava a tarde. Que até podia ter sido uma manhã. Se fosse de noite não se via a água. Só o reflexo.
(E talvez não ouvisse o riso das crianças).

Monday, May 07, 2007

Maria das Dores Prazeres


Não sei se por Nós. Por Ti. Ou por mim.
Nunca sei se escrevo por Nós. Por Ti. Ou por mim.
Sei que escrevo por prazer. Mesmo sabendo que existe ninguém que escreva também assim (e ainda bem).
Sei que escrevo.
Por Nós. Por Ti. Ou por mim.
E sei que gosto da Maria das Dores Prazeres.
Nasceu velha e morreu nova.
Concebida numa rua da Alegria (claro, Alegria).
Hoje, até sei, a propósito de um Neptuno perdido e desenhado na espuma, que escrevi por isto.
Sei que há saudades que são assim (as saudades, se calhar, até são sempre assim).
Há murais, em hospitais, que são mais do que isso (e até sei que nada disto faz sentido).
A distância é sempre estranha.
A nossa opção? Ainda maior!
A Maria das Dores Prazeres, essa história (com milhões de capítulos por escrever) permanece.

E, entre fumos de música. Entre desejos de sempre (conhecemo-nos sempre). E até entre conversas perdidas no ar. Sei que resistimos.

Porque não desistimos!