Tuesday, March 27, 2007

A Vida é um Palco



MAGNIFICAT

Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei.
O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo?
É esse! É esse!
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei;
E então será dia.
Sorri, dormindo, minha alma!
Sorri, minha alma, será dia!

Álvaro de Campos, 7-11-1933

Monday, March 26, 2007

Sol

"Um dia, ouvi alguém dizer que é a alegria que distingue as pessoas que vivem no céu das que vivem na terra".
Roubei esta frase num blog amigo (que não desvendo).
E partilho! Do Sol!

Água


Espera

Esperava sentado.
(É sempre melhor esperar sentado quando a espera é longa e dolorosa).
Aproveitava os minutos (todos os minutos, todos os segundos, todos os milésimos) para pensar.
Pensava nas ausências, nos desejos.
As conversas partilhadas inundavam-lhe o pensamento.
Sempre que pensava em gritos (dentro de bibliotecas em silêncio), acabava por sorrir.
Aliás, o sorriso era a partilha (os sorrisos são sempre partilhas).
No meio de um turbilhão de pensamentos, apetecia-lhe correr. Gritar. Depois abraçar.
Valia-se de uma estranha metafísica: a distância era compensada pel’aquela sintonia de que tanto falavam.
(Conseguiam estar juntos à distância. Havia, encantadamente, algo que os ligava).
Uma espécie de ligação umbilical.

Operário em construção (ou prenda para a Lua, em forma de arco-íris)

Não!- Loucura! - gritou o patrão
Nao vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martirios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construido
O operário em construção

Wednesday, March 21, 2007

Velho Sonhador

Devia ter 87 anos.
As marcas do tempo eram visíveis no rosto. Mas a Alma é que mais sofria.
A vida tinha sido sempre ingrata.
Ele tinha sido sempre um sonhador: o Velho Sonhador.
Queria a Morte, mas ela não chegava.
A dor sorvia-lhe a Vida e ele resistia, mesmo não querendo.
Esta era a última batalha. Querer morrer e não conseguir.
Vencer a Vida era o último desígnio.
Ignorava os lamentos dos outros. Respondia sempre que queria morrer. Mas sorria.
Lembrava-se de ter sido menino. E, depois, só recordava a velhice.
No fundo, tinha sido sempre velho: o Velho Sonhador.
Passava horas e horas a fio à janela e descobria, nas nunca gastas pedras da calçada da rua onde sempre tinha morado, novos segredos.
Sonhava nas dezenas, centenas, milhares de pés que as tinham percorrido.
Para onde iriam? De onde vinham? Que pensavam quando ali passavam?
Depois, bem, depois, pensava em si.
Recordava a vida. Ele dizia sempre que tinha sido ingrata.
Mas porque queria então morrer? A Vida teria sido mesmo ingrata? E quando a Vida é ingrata quer-se morrer?
Lembrou-se então do Dia da sua Vida.
O Dia em que A tinha conhecido.
Como sempre, à noite.
Saíram os dois, abraçados nas tranças da Lua.
E ficaram. E foram ficando. E quiseram ficar para Sempre, juntos.
A noite foi eterna.
Prolongaram os afectos, trocaram estórias que só os dois compreendiam.
Partilharam nomes que apenas os amantes trocam entre si.
Os códigos, os sinais. Outra vez os silêncios.
Ah! Os silêncios!
E deixaram-se adormecer.
Ela, primeiro. Ele, depois de a contemplar.
Ela não acordou mais.
A Vida tinha sido ingrata.
O Velho Sonhador queria morrer.
Esta foi a única noite na Vida deles.

O Dia

I see trees of green, red roses too
I see them bloom for me and you
And I think to myself, what a wonderful world

I see skies of blue and clouds of white
The bright blessed day, the dark sacred night
And I think to myself, what a wonderful world

The colours of the rainbow, so pretty in the sky
Are also on the faces of people going by
I see friends shakin' hands, sayin' "How do you do?"
They're really saying "I love you"
I hear babies cryin',
I watch them grow
They'll learn much more than
I'll ever know
And I think to myself, what a wonderful world
Yes, I think to myself, what a wonderful world

Louis Armstrong (What a Wonderful World, lyrics by George Weiss/Bob Thiele)

Para ver e ouvir Aqui e Agora

Tuesday, March 20, 2007

Sabores

Alguns silêncios

Um desejo matinal. Conjunto.
A noite não tinha bastado. Nunca basta. Nunca bastam os instantes, os momentos.
Os desejos. Nunca acabam.

A chegada:
Pé ante pé. Em silêncio. Bastam sempre os silêncios. Desta vez, porém, era uma exigência.
- Não sei que cá está alguém. Também não interessa. Não fazemos muito barulho. Tinha saudades tuas e queria muito estar contigo. Preciso de colo e mimos. Ontem não chegou.
Os silêncios de novo. Não era preciso mais nada.

Os apelos:
- Desculpa.
- Desculpa porquê? Nunca me peças desculpa por isso. Nunca me peças desculpa por nada. Essa é uma dádiva das mulheres (o sorriso matou o resto).
- Sim.
Entretanto, conversas sobre limites. Sobre incapacidades. Amores. Já não há medos.
Olhares perdidos no quarto. A claridade de uma janela para o Mundo.

O adeus e novos silêncios:
Nunca há adeus quando se quer ficar sempre.
- Vivo bem com estas dualidades.
- Já tenho saudades tuas.

Novos silêncios. A sós. Agora.

Sunday, March 18, 2007

Voar



"É muito fácil aceitar e gostar dos que são iguais a nós, mas fazê-lo com alguém diferente é muito dificil, e tu ajudaste-nos a consegui-lo. És uma gaivota e tens de seguir o teu destino de gaivota. Tens de voar. Quando o conseguires, ditosa, garanto-te que serás feliz, e então os teus sentimentos para connosco e os nossos para contigo serão mais intensos e belos, porque será a amizade entre seres totalmente diferentes."
In "História de uma gaivota e do gato (o grande Zorbas) que a ensinou a voar", Luís Sepúlveda

Saturday, March 17, 2007

Olhos

Thursday, March 15, 2007

Desassossego

Tenho sido sempre um sonhador irónico, infiel, às promessas interiores. Gozei sempre, como outro e estrangeiro, as derrotas dos meus devaneios, assistente casual ao que pensei ser. Nunca dei crença àquilo em que acreditei. Enchi as mãos de areia, chamei-lhe ouro, e abri as mãos dela toda, escorrente. A frase fora a única verdade. Com a frase dita estava tudo feito; o mais era a areia que sempre fora.
Se não fosse o sonhar sempre, o viver num perpétuo alheamento, poderia, de bom grado, chamar-me um realista, isto é, um indivíduo para quem o mundo exterior é uma nação independente. Mas prefiro não me dar nome, ser o que sou com uma certa obscuridade e ter comigo e ter comigo a malícia de me não saber prever.
Do Livro do Desassossego

Wednesday, March 14, 2007

Sozinhos

A noite estava escura.
Com atenção, tornava-se possível vasculhar na imensão da penumbra e encontrar um ou outro ponto luminoso.
Centauro avistava-se. Com dificuldade. A imaginação ocupava-se de outros sabores.
Ao longe, o som do Mar. Mais perto, conversas felizes.
Mais perto ou mais longe? Do Mar ou de um Rio?
Era Água. Seguramente.
As vozes vinham de cima. Pessoas? Felizes? Banalidades? Conversas felizes.
Há muito que não estavam juntos.
Permaneciam sentados.
O exercício? Encontrar pontos luminosos no céu.
Cá em baixo tornava-se mais fácil. Os olhos brilhavam. A noite estava escura. Os olhos. Dos dois. Iluminavam a noite.
A noite permanecia escura e eles sentados.
Há muito que não estavam juntos.
Os sons foram-se afastando.
A noite foi clareando.
Bom Dia!
Há muito tempo que não acordavam juntos.
São assim os olhos felizes. Brilhantes. Em noites escuras.

Tuesday, March 13, 2007

Quatro elementos


A natureza é perfeita: a sua perfeição engloba todos os reinos, todas as formas, todas as pessoas e todos os modos de Vida.
Eu gosto de me incluir nesta perfeição. Não! Não que seja (ou tente ser) perfeito, mas porque gosto de me sentir em sintonia com a Natureza.
E estar em sintonia com a Natureza é perceber também o alinhamento perfeito dos 4 elementos (Fogo, Terra, Água, Ar).
Por esta, ou por outra ordem qualquer, o importante é o alinhamento.
A propósito da perfeição, disseram-me, um dia, ser possível atingir a perfeição, caso dois seres se harmonizem e partilhem do entendimento sobre os 4 elementos.
E agora...! Tentem!
Eu tenho feito a minha parte.

Monday, March 12, 2007

Embalos de sábado à noite

Contei 11 estrelas na sexta-feira, mas deveria, até, tê-lo feito no sábado.
Qualquer dia é, no entanto, um bom dia para contar estrelas.
Sábado, cansado, arrastado, torpedeado pelas coisas boas da Vida, precisava de vários confortos.
E consegui.
Duas músicas eternizaram-se.
Carinhoso, de Pixinguinha (que não conhecia, mas que foi-me apresentado recentemente de forma subtil, mas intensa).
A outra, sem nome, passou a chamar-se Embalo.
E como eu precisava de embalo.
Voltei a contar 11 estrelas.
E adormeci embalado e protegido.
Sábado. Sem excessos. Tranquilo. Em Paz.
São assim as vidas simples!

Frouxidão

A frouxidão no amor é uma ofensa,
Ofensa que se eleva a grau supremo;
Paixão requer paixão, fervor e extremo;
Com extremo e fervor se recompensa.

Vê qual sou, vê qual és, vê que diferença!
Eu descoro, eu praguejo, eu ardo, eu gemo;
Eu choro, eu desespero, eu clamo, eu tremo;
Em sombras a razão se me condensa.

Tu só tens gratidão, só tens brandura,
E antes que um coração pouco amoroso
Quisera ver-te uma alma ingrata e dura.

Talvez me enfadaria aspecto iroso
Mas de teu peito a lânguida ternura
Tem-me cativo e não me faz ditoso.

Barbosa du Bocage

Tuesday, March 06, 2007

Guizos


(...)

- O que é importante não se vê...

- Certamente...

- É o que se passa com a flor. Se amas uma flor que está numa estrela, gostas, à noite, de olhar para o céu. Todas as estrelas estão floridas.

-Certamente...

- Á noite hás-de olhar para as estrelas. O meu sítio é pequeno de mais para te poder indicar onde se encontra. É melhor assim. A minha estrela será, para ti, umas das estrelas. Gostarás, então, de olhar para todas as estrelas... Serão todas tuas amigas. E ainda te vou dar uma prenda...

Riu-se outra vez.

- Ah! Meu pequeno, meu pequeno, como gosto de ouvir esse riso!

-É esta, precisamente, a minha prenda... É como o que se passa com a água...

- Que queres dizer?

- As pessoas têm estrelas que não são idênticas para todas. Para umas, que viajam, as estrelas são guias. Para outras, não passam de pequenas luzes. Para outras, que são sábias, são problemas. Para um homem de negócios, eram ouro. Todas essas estrelas são mudas. Mas tu, tu terás estrelas como ninguém tem...

- Que queres dizer?

- Quando olhares para o céu, à noite, já que moro numa delas, já que me estou a rir numa delas, é como se todas as estrelas se rissem para ti. Tu, tu terás estrelas que sabem rir!

E riu-se outra vez.

-E quando já te tiveres consolado (as pessoas consolam-se sempre), ficarás contente por me teres conhecido. Serás sempre minha amiga. Às vezes abrirás a janela unicamente por prazer... E os teus amigos ficarão muito admirados por te verem rir ao olhar para o céu. Dir-lhes-ás então:"Sim, as estrelas fazem-me sempre rir!" Julgar-te-ão louca.

E riu-se outra vez.

- É como se te tivesse dado, em vez de estrelas, inúmeros pequenos guizos que sabem rir...

(...)


“O Principezinho” de Antoine de Saint-Exupéry.

Monday, March 05, 2007

Vinho Tinto, Poesia e muita Virtude


Da Música:
Saborear cada acorde como se o som fosse o pêndulo do coração. Viver o instante único e eternizá-lo ao som descompassado de um DJ improvisado mas verdadeiramente fiel ao momento. Sentir a luz, caída e oportuna. Cintilante e vibrante ao toque de cada olhar. De cada nota. Inconformada no toque subtil de uns dedos. Meigos. Entrar, nesse olhos, como num estreita cordilheira. Perder o rumo e aceitar a dualidade. Sem medo.
Da Poesia:
Ir para onde o vento me leva. Sem pensar. Sair cedo. Chegar tarde. Dormir. Não dormir. Horas, relógios, despertadores. Algumas girafas. Recordações e fotografias. Suores. Quentes e frios. Medos que se vão. Corpos que se aceitam. Sem complicações. Sem vergonhas. Apenas Estar.
Baudelaire, "É preciso estar sempre embriagado. Para não sentirem o fardo incrível do tempo, que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso. Com quê? Com vinho, poesia, ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se."

Sunday, March 04, 2007

Alegre, Paredes e outras dualidades

“Com garra, com garra”, como escreveu o poeta Manuel Alegre para o maestro da guitarra portuguesa Carlos Paredes, foi o exigido hoje em Coimbra pelas 30.000 pessoas que lotaram o Portugal-Cazaquistão, de apuramento para o Euro2008 de futebol.
De regresso à cidade dos estudantes, da saudade e do Fado, depois da campanha “guerreira” no campeonato do Mundo da Alemanha, a selecção portuguesa de futebol voltou a encher um estádio e sentiu bem de perto o carinho dos adeptos lusos.
As mensagens de amor eterno, tão habituais nos poemas que compõem o Fado, mas também naquelas que os estudantes trocam entre si, foram desta vez dedicadas à equipa das “quinas”, necessitada de todo o carinho, depois da fracassada visita à Polónia (derrota por 2-1).
“Pode ser fogo, pode ser vento”, como disse também Manuel Alegre ao mago Carlos Paredes, foi outro dos desejos de Coimbra, exigindo aos “meninos” de Luiz Felipe Scolari o recurso às forças mais mágicas para ultrapassarem os ex-soviéticos.
As capas, no chão, e as guitarras de Coimbra – “a palavra por dentro da guitarra, a guitarra por dentro da palavra” -, sempre presentes, receberam a “Alma Lusitana” antes da partida e foram o suficiente para arrepiar os craques lusos.
“A garra por dentro da tristeza”, igualmente de Alegre para Paredes, fez esquecer a até agora titubeante campanha de apuramento, permitindo também que os milhares de “capas negras” esquecessem as tormentas do início do ano lectivo.
Ainda na “ressaca” da “Latada”, festa de recepção ao caloiro, as vozes, jovens, sobretudo, mas também de outras idades, aqueceram a noite de temporal e foram bálsamo animador para as ainda doentes almas dos jogadores portugueses.
Coimbra - mais que uma cidade, uma lição, e porque a selecção, mais que um clube, representa todo um país -, ofereceu um apoio incomensurável à renovada selecção lusa e foi, claramente, muita da luz que Portugal necessitava.

(15 Mar 2006)

Friday, March 02, 2007

Eclipse Lunar - Sábado 22:44


Thursday, March 01, 2007

Terra Molhada

Tenho saudades do cheiro a terra molhada e de torradas acabadas de fazer.

Tenho saudades da chuva, do frio e de ribeiras perdidas no Gerês.

Tenho saudades de um copo de vinho tinto eterno.

Tenho saudades dos meus amigos.

Tenho saudades de fumar cigarros, nú, depois do banho.

Tenho saudades de me perder em ruas estreitas.

Tenho saudades de domingos de manhã. Na cama.

Tenho saudades do (o) pôr do Sol de São Pedro de Moel.

Tenho de saudades de jogar futebol.

Tenho saudades ... de mim!

Vou matar todas estas saudades.